Zé Dantas e Luiz Gonzaga

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*Foto extraída do Dicionário gonzagueano de A a Z

O amor que sobreviveu à morte

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Recebemos esse e-mail do Zé Teles, jornalista e crítico musical, além de ser um grande apreciador e fomentador do forró autêntico.

“Oi, Ivan
aqui é José Teles, do Jornal do Comercio do Recife. Anexei aí uma matéria interessante que fiz com a viuva de Zé Dantas.

Eu fiz o texto de um CD de Cláudio Almeida, um violonista bem conhecido aqui. O disco se chama ‘Noites brasileiras, a música de Zé Dantas’.

Dona Yolanda nos presenteou com uma composição inédita de Zé Dantas, a primeira das muitas que ele fez pra ela, em 1949, quando começaram a namorar.

Dominguinhos gravou no disco de Cláudio e anexo esta gravação também.

um abraço
José Teles”
teles@jc.com.br

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O amor que sobreviveu à morte

Há 61 anos, uma jovem de 17 anos, filha de um importante leiloeiro do Recife, resolveu abandonar a vida mansa da capital e conseguiu um emprego de professora primária, num vilarejo chamado Caiçarinha, no Sertão do Pajeú. próximo a Serra Talhada. Foi nesta cidade, num feriado de 7 de setembro de 1947, que ela conheceu um estudante de medicina chamado José Dantas de Souza Filho. Carismático, elegante, brincalhão, Zé Dantas, como o chamavam, era filho de seu Zeca Dantas, um abastado comerciante e fazendeiro de Flores de Carnaíba (da qual foi prefeito duas vezes). Galanteador, ele não perdeu tempo: passou a cortejar a jovem Yolanda.

Zé Dantas também gostava de festas, de música, já compunha algumas, baseadas no folclore e histórias de sua região, ou da sua própria imaginação. Mais tarde, ele faria várias canções para Yolanda, a primeira das quais, Fulô ingrata, composta em 1949, permanecia inédita até ser cedida por ela, no mês passado, ao violonista Cláudio Almeida, que a incluiu no CD Noites brasileiras – A música de Zé Dantas, lançado quarta-feira. Dominguinhos é quem canta “Fulô ingrata” no CD do violonista. Até o casamento, em 1954, foram quatro anos e meio entre namoro e noivado: “Ele terminou medicina e foi fazer residência no Hospital dos Servidores, no Rio. Durante este tempo trocamos muitas cartas, várias vinham com letras de músicas. Sabiá foi uma das que ele fez para mim”. “Na folha de papel na qual Zé Dantas (que se assinava Zédantas) datilografou a letra, lê-se o oferecimento: ‘Para minha querida Yolanda, por quem pergunto todo dia ao sabiá’”. A letra de Sabiá, assim como dezenas de letras, manuscritas ou datilografadas, Yolanda conserva até hoje, no apartamento em que mora, sozinha, na Avenida Boa Viagem.

Uma das salas do espaçoso apartamento à beira-mar é um pequeno museu Zé Dantas. Ali, dona Yolanda guarda álbuns com fotos e recortes de jornais e revistas, troféus, discos, partituras, cópias de programas No mundo do baião (que Zé Dantas apresentava com Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, na Rádio Nacional) e, em perfeito estado, a máquina na qual o compositor escrevia, além do enorme gravador onde registrava suas composições. “Depois que Zé morreu, não casei mais. Tratei de cuidar da memória dele e dos nossos filhos”, conta dona Yolanda, uma senhora elegante, de 78 anos, vaidosa, que pede para não ser fotografada, mas, generosa, permite que se copie à vontade fotos e documentos. O fato de morar só, não significa que ela seja reclusa. “Não quero empregada nem ninguém morando comigo. Só uma diarista, duas vezes por semana, porque o apartamento é grande, mas estou sempre saindo, indo ao shopping ou visitando os netos, em Natal”. Uma de suas netas é a cantora Marina Elali, que herdou os dotes artísticos do avô.

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Zé Dantas faleceu precocemente aos 41 anos, em 1962, de insuficiência renal. “Tomava cortisona importada. Ele se sentiu mal, depois de cantar O parto de Sá Juvita, na fazenda Califórnia, em Miguel Pereira, no interior do Rio”, relembra dona Yolanda. Embora curta, a carreira artística de Zé Dantas (que chegou a participar de programas na Rádio Jornal do Commercio, quando ainda estudava no Recife) é das mais consistentes entre os compositores pernambucanos. Mais do que isso. Em quantidade de composições, ela perde para autores de vida mais longeva, como Capiba, Nelson Ferreira ou o próprio Alceu Valença. No entanto em clássicos deixados para MPB, é imbatível. Com o cearense Humberto Teixeira formou os dois pilares no qual se sustentou a obra de Luiz Gonzaga nos anos 50, sua fase de maior sucesso popular (e fundamentou o que seria chamado de forró). São de Zé Dantas, entre outras, Xote das meninas, Algodão, Riacho do Navio, Vem morena, Siri jogando bola, Noites brasileiras, Forró de Mané Vito, Paulo Afonso, Vozes da seca, Cintura fina, Acauã, A volta da asa branca.

Gonzaga e Dantas conheceram-se no final da década de 40, quando ele era ainda acadêmico de medicina (especializou-se em obstetrícia). O desinibido estudante foi ao hotel onde Gonzaga (já um ídolo nacional) estava hospedado e mostrou-lhe algumas de suas composições. “Quando conheceu Luiz Gonzaga, Zé já havia composto muita coisa. A primeira que Luiz Gonzaga gravou foi Vem morena, que tinha outro título, No resfolego da sanfona. Zé cedia as parcerias, no começo, nem queria que Luiz Gonzaga colocasse o nome dele, com medo do pai saber e cortar a mesada. Quando era estudante, Zé vivia muito bem como rapaz rico, elegante”, revela dona Yolanda. Luiz Gonzaga, a contragosto de Zé Dantas, colocou o nome do “parceiro” nos discos. No início o nome do cantor vinha na frente para chamar menos atenção. A sólida obra de Zé Dantas é formada por cerca de 80 músicas, umas poucas ainda inéditas.

Embora tenha sido Luiz Gonzaga seu maior intérprete, ele foi gravado por muitos nomes famosos do rádio (e, aí, a parceria com Gonzaga está fora da maioria). Carlos Galhardo, por exemplo, gravou Ai, ai, meu bem, os Quatro Ases e um Coringa lançaram O machucado, Ivon Cury fez sucesso com Farinhada, e Marinês com Corina. Dona Yolanda conserva todos estes discos e sabe da história por trás de cada música do marido. “Imbalança ele fez quando a gente passava uns dias em Brejo da Madre de Deus. Zé vinha sempre à cidade dele, ia para a fazenda do pai, reunia o pessoal para ouvir histórias, poesias e voltava sempre com material para novas músicas. Xote da meninas se chamava Mandacaru e Cintura fina era Cintura de pilão”.

Dele ela conserva também poemas (um bem longo sobre o cangaço), um argumento cinematográfico, cartas de amigos, como uma do jornalista e poeta Rogaciano Leite pedindo que ele lhe mande textos. Quando é indagada se nestes anos todos ela não perdeu alguma peça importante do marido, ela responde incisiva: “Não. A única coisa que perdi foi ele”.

José Teles
teles@jc.com.br

Música: “Fulô ingrata” (Zé Dantas)

Zé Dantas e Humberto Teixeira

*Foto extraída do livro/biografia do Gonzagão.

Zé Dantas e Humberto Teixeira.

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Zé Dantas – 17/02/1921 – 11/03/1962

José de Souza Dantas Filho — ou simplesmente Zé Dantas — foi um compositor, poeta e folclorista fundamental para a fixação do baião como gênero de sucesso. Isso se deu graças às suas parcerias com Luiz Gonzaga a partir de 1950, quando este se separou do parceiro inicial, Humberto Teixeira. Mas em 1938 Zé já compunha suas primeiras músicas e escrevia crônicas sobre folclore para uma revista pernambucana.

Foi em 1949 que conheceu Gonzagão e a partir do ano seguinte iniciaram uma profícua série de sucessos imortais assinados a quatro mãos, como “Vem Morena”, “A Dança da Moda”, “Riacho do Navio”, “Vozes da Seca”, “A Volta da Asa Branca”, “Imbalança”, “ABC do Sertão”, “Algodão”, “Cintura Fina” e “Forró de Mané Vito”. O grupo vocal Quatro Ases e Um Coringa também obteve grande sucesso com “Derramaro o Gai”, depois também imortalizada pelo Rei do Baião. Em 1951, compuseram mais um clássico, o baião “Sabiá”, e no ano seguinte foram às paradas com a marcha junina “São João na Roça” e com a triste “Acauã” (esta assinada apenas por Zé).

Atuou ainda ao lado de Paulo Roberto no programa No Mundo do Baião, na Rádio Nacional (RJ) em 1953, ano em que estouraram o “Xote das Meninas” e “Farinhada” (esta também apenas de Zé), na voz de Ivon Curi. Outro ícone do baião, Jackson do Pandeiro, também fez sucesso com uma canção de Zé Dantas, “Forró em Caruaru”. Quando foi diretor folclórico da Rádio Mayrink Veiga, do Rio, o compositor chegou a regravar suas canções mais emblemáticas em disco.

Mesmo depois de sua morte, todas as músicas da dupla continuaram a ser relidas pelos maiores nomes da MPB – até os dias de hoje – como Gal Costa, Gilberto Gil, Elba Ramalho, Alceu Valença, Fagner, Marisa Monte e muitos grupos de Oxente Music e até da geração da música eletrônica.

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Humberto Teixeira – 05/1/1915 – 03/10/1979

Cearense de Iguatu, começou a estudar música cedo, aprendendo flauta e mais tarde bandolim. Ainda adolescente, começou a editar composições (a primeira foi “Miss Hermengarda”, aos 13 anos, composta em homenagem a uma concorrente de um dos primeiros concursos de beleza realizados no Ceará),e no início dos anos 30 radicou-se no Rio de Janeiro, com o objetivo de estudar medicina. Na então capital federal, continuou compondo regularmente e tendo suas músicas editadas. Em 1934 foi um dos vencedores de um concurso de marchas de carnaval, ao lado de Ary Barroso, Ari Kerner e outros compositores de tarimba.

Acabou desistindo da medicina e optando pelo direito, profissão em que se formou em 1943, exercendo a advocacia e a música simultaneamente. Em 1945 conheceu o parceiro que o celebrizaria, o Rei do Baião Luiz Gonzaga. Feita a dupla, trataram de divulgar maciçamente os ritmos nordestinos, em especial o baião, suprindo uma lacuna mercadológica então existente. Por esse motivo Humberto Teixeira ficou conhecido como o “doutor do baião”. Sua primeira composição com Gonzaga gravada foi justamente “Baião”, pelo grupo Quatro Ases e Um Coringa.

A partir de então uma série de grandes sucessos sucedeu-se: “Qui Nem Jiló”, “Baião de Dois”, “Assum Preto”, “No Meu Pé de Serra” e, especialmente, “Asa Branca”. Apesar de ser conhecido como “letrista” de Luiz Gonzaga, Humberto também tem composições só suas, como o baião “Kalu”, grande sucesso na voz de Dalva de Oliveira. Outros parceiros foram Sivuca (com quem compôs “Adeus, Maria Fulô”, que teve leitura psicodélica feita pelos Mutantes em 1968), seu cunhado Lauro Maia (“Deus Me Perdoe”, “Só uma Louca Não Vê”, “Poema Imortal”) e Lírio Panicalli (“Sinfonia do Café”).

Em 1950 foi eleito deputado federal em seu estado natal, e entre seus projetos políticos destaca-se o que incentivava turnês de divulgação da música brasileira no exterior. Também figurou na diretoria da União Brasileira de Compositores (UBC) e lutou politicamente pelos direitos autorais. (Fonte)