Texto – Linha do tempo da evolução musical

O texto é do Marcelo de Almeida, que por sua vez é advogado, pesquisador e restaurador de discos, e fala sobre a criação e evolução das máquinas que o ser humano construiu para registrar e reproduzir o som.

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Um texto imperdível para os aficcionados em tecnologia e em música.

A EVOLUÇÃO DO REGISTRO SONORO
por Marcelo de Almeida(*)

NIPPER: O MELHOR AMIGO DA VICTOR
Marcelo de Almeida
03/07/03

Uma pintura de um cão terrier ouvindo um gramofone foi uma das mais bem idealizadas estratégias de marketing do século XX. Trata-se da obra “A voz do dono” (His Master’s Voice) de Francis Barraud, cuja história é bastante interessante.
Francis Barraud foi um pintor inglês, hoje pouco conhecido, que exibia com freqüência suas obras na Royal Academy de Londres. Talvez sua vida não teria hoje maior interesse em ser divulgada se não fosse sua obra que mostra um aparelho sonoro e um animal de estimação, tão diferente das paisagens, retratos e naturezas-mortas tão comuns no mundo de pintores como ele…
Tudo começa em 1899. O irmão de Barraud havia falecido, deixando Francis como legatário de um fonógrafo com um pequeno estoque de cilindros gravados, alguns com sua própria voz. Além do aparelho, Francis foi incumbido de cuidar de seu cãozinho terrier chamado “Nipper”. Todas as vezes que Francis Barraud colocava um dos cilindros gravados com a voz do irmão, o pequeno Nipper reconhecia a voz do falecido dono e imediatamente vinha ficar junto ao fonógrafo. Barraud quis registrar a curiosa situação em um quadro.
No início, a pintura de Barraud mostrava o cão ouvindo o fonógrafo de cilindros (fabricado por Edison). Concluído o quadro, Barraud foi incentivado a procurar Edison, para lhe vender a idéia como um emblema para os seus produtos, como prova da fidelidade de seus fonógrafos, que faziam até mesmo um cão reconhecer a voz do dono gravada. Edison rejeitou a idéia, não queria comparar os consumidores a animais. Entretanto, um gerente de uma loja de fonógrafos de Londres, revendedora da “The Gramophone Company”, G.B. Owen, incentivou Barraud a substituir o fonógrafo de Edison pelo Gramofone de Emile Berliner (proprietário da “The Gramophone Co.” ou “Victor Talking Machine Co. nos EUA) e, desta vez, procurar a empresa de Berliner e esquecer a oposição de Edison a sua idéia. Owen lhe emprestou um dos Gramofones modelo “improved”, à venda em sua loja, para servir de modelo na pintura.
Nipper e o Gramofone, na pintura intitulada “A voz do dono”, passaram a ser marca registrada em 10 de Julho de 1900, de propriedade de Emile Berliner que começou a utilizá-la em seus produtos, tornando-se líder de mercado, imagem até hoje utilizada pela RCA (atual proprietária da marca Victor).
Enquanto Nipper fazia sucesso, Edison insistia em usar sua assinatura e sua própria efígie como logomarca… Convenhamos, qual das duas imagens é mais atrativa? A resposta está em qual das marcas sobreviveu.

COMO O HOMEM REGISTROU O SOM
AS MÁQUINAS FALANTES I
Marcelo de Almeida

20/03/03 A despeito da rápida evolução do sistema de gravação, os aparelhos reprodutores tiveram um aperfeiçoamento mais lento. O disco carregava mais tecnologia que o toca-discos. Desde os tempos de Edison, o aparelho reprodutor de sons era composto de um suporte giratório (impulsionado por motor ou manualmente), uma agulha leitora, um diafragma e uma corneta, assim permanecendo até mesmo com o advento da gravação elétrica.Os mais marcantes aperfeiçoamentos foram verificados na parte mecânica dos aparelhos, quando passou a ser usado o motor a corda (Spring Motor), com velocidade constante e ajustável. As máquinas também passaram a ser melhor construídas e os diafragmas foram melhorados, alguns já produzidos em folha de alumínio duro. No mais, perfumaria: o gramofone Ultraphon alemão com braço duplo (que reproduzia com eco), o Columbia Baby Regent, embutido em uma escrivaninha, ou ainda o Klingsor com cordas na saída da corneta que deveriam ser afinadas para proporcionar ressonância simpatética conforme se reproduzia o disco. Houve, ainda, um fonógrafo de Edison especialmente construído para escolas de idiomas, equipado com a tecla “language repeat”, que repetia um determinado trecho da lição gravada.

Veio a gravação elétrica (em 1925) e cada marca adotou um nome comercial. A Victor lançou a Ortophonic Recording, a Columbia a Viva Tonal, a Odeon a Veroton. No mesmo ano a velocidade da gravação foi uniformizada mundialmente em 78 RPM. Os gramofones ainda eram acústicos (sem amplificadores), apesar de já serem montados em móveis com a corneta embutida e compartimentos para armazenar discos. Um dado curioso: todo aparelho de corneta embutida tinha o sufixo “ola” na marca. Assim o aparelho de Edison que reproduzia os cilindros de amberol era a “Amberola”, da Columbia era a “Grafonola”, da Odeon era a “Odeonola”, da Victor era a “Victrola” (algo familiar?). O nome Victrola era utilizado para designar o “top” de linha da Victor. No selo “Victrola” gravaram Caruso, Schipa, Heifetz e Paderewsky, entre outros. Vulgarmente, os aparelhos de corneta embutida passaram a ser conhecidos como vitrolas ortofônicas, que nada mais eram que gramofones montados em móveis. A qualidade de reprodução era melhor, mas ainda deixava a desejar. Ainda em 1925, a Radio Corporation of America (RCA) lançou o “Radiola 104”, um alto falante para rádios desenvolvido pela General Electric Co., que daria o impulso necessário ao surgimento da máquina falante elétrica.

COMO O HOMEM REGISTROU O SOM
Marcelo Almeida
11/07/02

1902 – 2002 – CEM ANOS DE CASA EDISON

Poucos serão os que dedicarão algum comentário ao aniversário que, embora não tenha sua importância diminuída, certamente será lembrado por poucos. Falamos do centenário da primeira gravadora comercial no território brasileiro: A Casa Edison do Rio de Janeiro.

Fundada por Fred Figner, um tcheco naturalizado americano que aqui desembarcou ainda no século XIX, trazendo na bagagem um fonógrafo para exibição pública, a Casa Edison foi a primeira gravadora comercial do Brasil. Gravava cilindros de cera e discos, vendia fonógrafos, partituras, instrumentos musicais e outras mercadorias importadas.

Antes de se estabelecer com a Casa Edison, Figner viajou por boa parte do Brasil promovendo exibições públicas de seu fonógrafo, tendo, inclusive, feito uma demonstração à Família Imperial. Acabou por fixar-se no Rio de Janeiro, dedicando-se ao comércio de artigos importados, ligados ao ramo musical, como fonógrafos, fonogramas, partituras, etc. Já antes do advento da Casa Edison Figner gravou comercialmente alguns cilindros no Rio de Janeiro, editando um catálogo comercial em 1900, rotulado apenas por “Importação Directa Fred Figner”.

Embora haja alguma controvérsia, é considerado como o marco inicial das atividades daquela casa comercial/gravadora a edição do catálogo para 1902, onde pela primeira vez se vê anunciado o nome “Casa Edison”.
O trabalho de Figner e sua empresa revelaram nomes hoje desconhecidos como “Bahiano”, “Cadete” e Eduardo das Neves, mas também outros conhecidos até hoje, como Patápio Silva e Vicente Celestino. É uma gravação da Casa Edison o célebre “Pelo Telephone” de Donga e Almeida, gravado por Bahiano em 1917, considerado por muitos como o marco inicial na história do Samba. O pioneirismo de Figner foi o responsável não só pela popularização dos equipamentos fonográficos, como também pela divulgação da música brasileira. Além de vender gravações, partituras e outros artigos pelo catálogo que editava, Figner também editava um tablóide informativo (não se tratava de catálogo) sobre a música brasileira de então, enfocando principalmente os músicos e intérpretes que gravavam para a casa Edison.

Embora o espírito empreendedor de Figner seja hoje reconhecido como notável, foi ele também alvo de severas críticas na época, dentre elas a de Chiquinha Gonzaga, que o acusava de monopolizar o mercado musical e sonegar direitos autorais:

-“Olhe, eu levantei essa questão dos direitos autorais. Estou cansada de ser explorada. Precisamos de que tenham por nós um pouco de consideração. Olhe o Figner só com um tango meu, em chapa, fez mais de 30 contos. E eu nada!” (Chiquinha Gonzaga – Gazeta de Notícias – RJ – 07/01/1913 – pg. 04) fonte: Registro Sonoro por Meios Mecânicos no Brasil – Humberto M. Franceschi-Studio HMF 1984.

Enfim, sem ainda o advento do rádio e com os meios de comunicação de alcance restrito da época, foi Figner e a Casa Edison os responsáveis pelo início da comercialização fonográfica da música popular brasileira. Outras surgiriam ainda contemporâneas ao empreendimento pioneiro de Figner, como a “Casa Ao Bogary”, a “Disco Popular” e a “Casa Faulhaber”, mas não há exagero em dizer que na verdade, tudo começou na Rua do Ouvidor, 107, no Rio de Janeiro.

COMO O HOMEM REGISTROU O SOM
Marcelo Almeida
04/04/02

O RÁDIO E A GRAVAÇÃO ELÉTRICA

Em meados da década de vinte, a indústria fonográfica ganharia um novo impulso com uma descoberta revolucionária: a gravação elétrica! Seu desenvolvimento foi devido, em grande parte, ao surgimento do rádio. As primitivas transmissões radiofônicas criaram um considerável degrau de qualidade sonora entre o disco e o programa de rádio. A questão era bem simples: a música levada ao ar na década de 20 era tocada ao vivo. O som que chegava aos receptores era bem mais fiel que a deficiente gravação mecânica de então.
Resultado: o ouvinte sempre se decepcionava ao adquirir a gravação da música que ouviu pelo rádio.

Essa situação, todavia, durou pouco. A Western Electric Co. desenvolveu em 1924 a solução para o problema. Utilizando-se de circuitos eletrônicos com amplificadores e microfones, com base nos princípios do rádio, passou a ser possível registrar a mais ampla gama de freqüências sonoras, elevando a qualidade do disco a um nível infinitamente superior. Em verdade, os estudos que levaram à gravação elétrica começaram em 1915, mas foram interrompidos durante a Primeira Guerra Mundial.

Em 1925 a inovação era lançada comercialmente. A Victor Talking Machine e a Columbia obtiveram as licenças para a industrialização dos novos discos. Para que tenhamos uma idéia do que foi o impacto da inovação, há menos diferença entre um LP e um CD que entre um disco mecânico e um elétrico. Basta comparar. O salto foi verdadeiramente assustador, verdadeira bruxaria moderna para os padrões da época! O disco elétrico acabou por revolucionar o gosto musical e a própria maneira de interpretar. Já era possível registrar o som com suavidade, abrindo caminho para os cantores de voz aveludada e orquestras melodiosas. Há uma grande diferença, por exemplo, em ouvir Carlos Gardel antes e depois da gravação elétrica. No Brasil a gravação elétrica somente se iniciou em 1927, inaugurada por Francisco Alves com oo disco Odeon cujos lados eram “Albertina” e “Passarinho do Má”.

O novo sistema possibilitou o surgimento do cinema falado. Em 1927 foi lançado pela Warner Brothers o primeiro filme comercial sonoro: “O cantor de Jazz” (The Jazz Singer), estrelado por Al Jolson. O filme foi inteiramente sonorizado por discos de 16 polegadas, cuja velocidade de reprodução era de 33-1/3 RPM (embrião do LP?).

Embora o sistema de gravação tivesse experimentado tanta evolução, os aparelhos reprodutores continuaram quase os mesmos, tendo um desenvolvimento mais vagaroso mas não menos fascinante.

COMO O HOMEM REGISTROU O SOM – V
Marcelo Almeida
20/12/01

A Fábrica Odeon e o início da indústria fonográfica brasileira

Em 1912 surgiu o primeiro disco totalmente produzido no Brasil, data em que Fred Figner se viu forçado a firmar um contrato com a International Talking Machine para a instalação de uma fábrica de discos no Rio de Janeiro. O contrato previa a instalação de uma fábrica em um terreno de propiredade de Figner, situado na R. 28 de Setembro (atual R. João Alfredo, no bairro da Tijuca). A avença acabaria por tolher Figner e engolir vagarosamente a Casa Edison.

A fábrica Odeon, que se instalou no Rio de Janeiro, tinha os mais modernos equipamentos da época. Era capaz de produzir um 1.500.000 discos por ano, num ritmo de cerca de um disco a cada três minutos. Empregava pouco mais de 150 operários e possuía até mesmo um programa de reciclagem, que incluía o reaproveitamento dos produtos rejeitados e discos encalhados nas prateleiras dos revendedores. O processo industrial era completo, desde a obtenção da matriz até a prensagem. A massa (que prensada se transformava em disco) já era produzida pela fábrica na época, sendo composta por negro de fumo, resina de jatobá ou cera de carnaúba, ardósia e goma laca. Na esteira da fábrica Odeon surgiu a Fabrica Phonographica União (1919) e a Fabrica Popular (1920). Estava consolidada a indústria dos discos no Brasil. A partir daí, outras empresas se instalaram no Brasil, como a Victor Talking Machine Co. of Brazil (que em 1929 passaria a se chamar RCA Victor Brazileira Inc.), Columbia Phonograph e Sociedade Anônima Brunswick do Brasil. Esta última instalada em 1927 teve vida curta. Os artistas que nela gravaram não ganharam grande destaque e hoje são ilustres desconhecidos. Para piorar, quando encerrou suas atividades no Brasil, a Brunswick remeteu todas as suas matrizes para a sede da companhia em Chicago. Só recentemente o selo Revivendo reeditou algumas das gravações feitas pela Brunswick, encontradas em poder de alguns colecionadores.

Em 1924, a Western Electric dos E.U.A. desenvolveu o revolucionário sistema de gravação elétrico. Nele a corneta de gravação foi substituída por um microfone, sendo possível captar e registrar a mais ampla gama de sons. A evolução foi tão significativa que alterou o próprio ambiente musical da época. A potência da voz deu lugar à interpretação e se tornaram cada vez mais comuns as gravações de grandes formações orquestrais.

Fotos: Registro Sonoro Por Meios Mecânicos no Brasil (Humberto M.Franceschi) – Studio HMF – 1984

COMO O HOMEM REGISTROU O SOM – IV
Marcelo Almeida
23/08/01

O Fonógrafo no Brasil

Casa Edison do Rio de Janeiro
O sucesso comercial do fonógrafo foi rápido no Brasil. Como vimos anteriormente, Thomas Edison já havia obtido a permissão imperial para comercializar sua máquina no Brasil ainda em 1878 (apenas um ano após sua invenção).

Em agosto de 1891, Frederico Figner embarca para o Brasil, levando em sua bagagem um fonógrafo elétrico que funcionava com pilhas, além de cilindros virgens – o embrião da futura Casa Edison do Rio de Janeiro (assim batizada em homenagem a Thomas Edison).

O grande mérito de Frederico Figner foi seu pioneirismo no comercialização de fonógrafos e gravações no Brasil. A Casa Edison, além de casa comercial, também realizava gravações, muitas das quais marcaram a história. Não é exagero dizer que uma boa parte da história do Brasil dos primeiros anos do século XX ficou gravada nos discos e cilindros de Figner. Ao longo de sua existência, a Casa Edison teve poucos concorrentes, que nunca chegaram sequer a igualá-la.

Apenas para exemplificar: gravações como “Rato, Rato” e “Febre Amarella são alusivas ao caos da saúde pública e a luta de Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, já o “Pega na Chaleira” aborda os bajuladores do deputado gaúcho Pinheiro Machado e “Ai Philomena” é uma sátira ao azarado presidente Hermes da Fonseca. Uma das mais célebres gravações da Casa Edison é “Pelo Telephone”, gravado em 1917, considerado por alguns pesquisadores como o primeiro registro de um samba no Brasil.

Com a Casa Edison surgiram os primeiros artistas do disco, como Cadete, Bahiano, Eduardo das Neves e Alfredo Silva. Instrumentistas como Patápio Silva e Casimiro Rocha, formações como a banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e a própria banda da Casa Edison. Vicente Celestino faria sua primeira gravação: “Flor do Mal”, em 1915, para a Casa Edison. Contudo não é da empresa de Figner o mérito de ter colhido a primeira gravação de Francisco Alves e sim da gravadora “Disco Popular”, de propriedade do filho de Chiquinha Gonzaga. Os dois lados gravados pelo estreante Chico Alves foram “O Pé de Anjo”e “Falla meu Louro”, hoje o disco brasileiro mais disputado entre os colecionadores. Como vimos anteriormente, as ceras eram gravadas e enviadas ao exterior para se transformarem e discos (à época chamados de chapas). Em 21 de dezembro de 1912 era prensado o primeiro disco totalmente produzido no Brasil. Era o início das atividades da Fábrica Odeon no Brasil.

COMO O HOMEM REGISTROU O SOM III
Marcelo Almeida
17/05/01

Disco: O formato definitivo do som

Já em 1878, Edison pesquisava a gravação em disco, paralelamente ao progresso do cilindro. Chichester Bell e Charles Summer Tainter também perseguiam o mesmo objetivo. Em ambos os casos, a gravação ainda era vertical. Emile Berliner, um alemão natural de Hannover, que se transferiu para os E.U.A. aos 19 anos, que entre outras coisas foi assistente de laboratório de Constantino Fahlberg (descobridor da sacarina) foi quem solucionou os entraves da gravação em disco e acabou por criar um suporte de gravação que permaneceu praticamente inalterado até o advento do Compact Disc: o “disco para gramofone”.

Em rigor, gramofone é a denominação da máquina falante, reprodutora de sons gravados em disco por sulcagem lateral. Berliner concebeu a gravação lateral, que consistia no registro das vibrações na parede do sulco e não mais em seu leito, o que tornava o volume do som e a durabilidade do sinal gravado maiores, sem mencionar que o disco permitia a produção a partir de matrizes. O processo era bem simples: um disco de zinco era impregnado com cera em uma das faces. Em seguida a agulha gravadora registrava a gravação riscando a cera, formando uma espiral ziguezagueada. O disco era submetido a um banho de ácido crômico que corroía o zinco onde este não estivesse protegido pela cera. Como resultado era obtido um disco metálico gravado do qual poder-se-iam ser extraídas matrizes, gerando inúmeras cópias. Dá-se como certa a data de setembro de 1887 como sendo a do nascimento do disco, contudo somente em 16 de maio de 1888 o invento foi apresentado perante os membros do Franklin Institute da Pensilvânia.

Durante seus primeiros anos, o disco de Berliner somente foi empregado em brinquedos. Os primeiros discos equipavam bonecas falantes alemãs, fabricadas pela Kammerer und Rheinhardt. Não foi imediato o sucesso comercial do gramofone, somente seis anos depois de sua invenção ele passou a ser comercializado como máquina falante pela United States Gramophone Company.

Com a rápida popularização, inclusive por meio da pintura de Barraud, marca registrada da Victor Talking Machine Co., o gramofone e o disco foram gradualmente tomando o lugar do cilindro de cera e dos fonógrafos de Edison. Para o disco se aperfeiçoar só lhe faltava ter dois lados. A resposta definitiva somente foi dada mais tarde por Adhemar Napoleón Petit, que criou o processo de prensagem que possibilitou a produção de discos gravados nos dois lados. Antes disso, foram comercializadas algumas edições contendo dois lados, que nada mais eram do que dois discos de um lado só, colados um no outro.

No Brasil o disco foi largamente comercializado pela pioneira Casa Edison do Rio de Janeiro, que gravava em estúdio próprio e enviava as ceras gravadas à Alemanha para que de lá voltassem em forma de discos (cópias). Naquela época, os discos por aqui gravados e comercializados já eram duplos (patente brasileira 3465 de 14/01/1902). O pioneirismo da Casa Edison, como veremos adiante, é o responsável pelos registros mais importantes da música brasileira nas primeiras décadas do século XX.

CILINDRO DE CERA: O PRIMEIRO FORMATO DO SOM
Marcelo de Almeida
05/04/01

O cilindro como suporte de gravação foi a herança do vibroscópio e do fonoautógrafo que também registravam em um cilindro, apesar de fazê-lo apenas graficamente. Edison, aproveitando a idéia, concebeu o registro em folha de estanho, utilizando um cilindro que possuía um eixo helicoidal que, por agir como parafuso, fazia o cilindro se deslocar de um lado para outro, formando a espiral do sulco. Contudo, o estanho se mostrou frágil demais, não resistindo ao uso prolongado. A gravação era vertical, ou seja, a agulha impressionava o estanho de cima para baixo (e não de um lado para outro, como veremos a seguir na gravação de Berliner). Em substituição ao estanho, uma série de materiais foi experimentada, até se chegar a uma mistura de ceras que se mostrou suficientemente resistente: o amberol. Começava aí a história da comercialização do som.

O fonógrafo de Edison foi industrializado. Além da North American Phonograph Co. (Edison Phonograph Works) controlada pelo próprio Edison a partir de 1890, surgiram várias outras e a máquina falante disseminou uma febre de consumo. Da impulsão manual (por manivela), o fonógrafo passou a ser comercializado com motor elétrico, motor a corda e até mesmo por um mecanismo impulsionado por água (funcionava ligando-se o fonógrafo a uma torneira). Os cilindros podiam ser comprados virgens ou gravados. Algumas máquinas eram dotadas de um raspador e os cilindros podiam ser gravados e desgravados várias vezes (como fitas magnéticas). Existiram fonógrafos de exibição pública, para aqueles que não tinham recursos para adquirir o seu. Surgiram máquinas que tocavam vários cilindros a escolher, acionadas por moedas (que deram origem aos “juke boxes”). Ainda no século XIX vamos encontrar alguns filmes feitos por Edison, sonorizados pelo seu fonógrafo. Apesar de seu aspecto inicial de brinquedo, o fonógrafo passou a ter aplicações mais importantes. Já no século XIX o fonógrafo era utilizado para o ensino de línguas. Com a sofisticação do mercado, pela gravação comercial de músicas e o próprio ensino de idiomas, as primeiras gravadoras esbarraram num sério problema: o cilindro impossibilitava a moldagem por meio de matrizes.

O sucesso comercial, a facilidade de gravar e a praticidade fizeram muitos pesquisadores da época buscar uma solução sem, contudo, abandonar o cilindro. Tentou-se a moldagem em formas, a pantografia, mas a única solução que se mostrou viável para se obter várias cópias de uma mesma gravação foi ligar vários fonógrafos a uma mesma corneta de gravação. Edison, Graham Bell e seu primo Chichester, entre outros, começaram a pesquisar a gravação em disco. A resposta definitiva somente seria dada pelo alemão Emile Berliner, inventor do gramofone. Enquanto isso, o fonógrafo continuava em seu sucesso comercial, levando um pintor de nome Francis Barraud, que freqüentemente exibia suas obras na Academia Real de Londres, a pintar Nipper, seu fox terrier, ouvindo um fonógrafo de Edison. Ao quadro deu o nome de “His Master’s Voice” (a voz do dono). Barraud pensou em vender a idéia à empresa de Edison, mas não houve por parte desta o mínimo interesse pela pintura. Barraud resolveu substituir a máquina de Edison pelo gramofone de Berliner na pintura. A idéia foi aceita imediatamente, passando a ser a marca registrada da Victor Talking Machine Co. (fabricante de gramofones e discos), desde 10 de julho de 1900.

COMO O HOMEM REGISTROU O SOM
Marcelo de Almeida
15/03/01

Data de 2000 a.C. a mais antiga lenda sobre uma máquina falante. Contam os chineses que um imperador recebeu uma estranha caixa que continha palavras as quais somente podiam ser lidas com as orelhas. Crendices à parte, a história da gravação começa nos primeiros anos do séc. XIX, quando Thomas Young conseguiu obter a tradução gráfica das vibrações sonoras, através de um aparelho batizado de vibroscópio, que registrava a vibração de um diapasão. Logo em seguida, o francês, Edward Leon Scott de Martinville conseguiu por meio de seu aparelho, que chamou de fonautógrafo, registrar graficamente a vibração da voz, sem ser possível, ainda, reproduzí-la. Finalmente foi Charles Cros (e não Thomas Edison) quem idealizou, sem contudo chegar a construir, a primeira máquina que prenderia e libertaria sons, ou seja, gravaria e reproduziria. Edison construiu, então, com completo êxito, o primeiro armazenador de som da história – o fonógrafo. O aparelho empregava uma folha de estanho presa a um cilindro, o qual era impressionado por uma agulha movida por um diafragma de mica, seguindo os princípios de Martinville. Assim aconteceu: Em Nova Jérsei, mais precisamente em Menlo Park, no ano de 1877, nasceu a primeira máquina falante que realmente funcionava: o Tin-Foil Phonograph. A primeira gravação do mundo foi um poema, intitulado Mary had a little lamb, recitado pelo próprio Edison.

“Mary had a little lamb
Its fleece was as white as snow”

Ironicamente, o fonógrafo era trazido ao mundo pelas mãos de um homem que, graças a um acidente na infância, ficara praticamente surdo.

Os cilindros com folha de estanho deram lugar aos de cera, que podiam ser gravados e desgravados, como nossas atuais fitas magnéticas. O fonógrafo foi um sucesso comercial. Paralelamente, o alemão Emile Berliner desenvolveu com êxito o sistema de gravação em disco através de sua máquina, o Grammophone, que possibilitou a produção de várias cópias a partir de uma matriz (com os cilindros isso não era possível). O material mais usado para a fabricação do disco era uma massa largamente empregada até 1948, composta de acetato de celulose, colofônia (resina de jatobá ou cera de carnaúba no Brasil), negro de fumo, gesso e goma laca. Eram discos pesados, duros e quebradiços.

O Brasil descobriu o fonógrafo bem cedo, já nos tempos do Império. Edison receberia autorização imperial para comercializar fonógrafos no Brasil ainda em 1878 (o fonógrafo foi inventado em 1877!). Contudo, o fonógrafo somente se transformaria em sucesso comercial por aqui pelo trabalho de um imigrante chamado Frederico Figner que fundou a Casa Edison do Rio de Janeiro, a primeira gravadora brasileira. Surgiam os primeiros cantores de música popular a gravar comercialmente, eram: Bahiano, Cadete, Mário Pinheiro e Eduardo das Neves. Alguns grupos musicais também se destacaram, como a banda do Corpo de Bombeiros da cidade do Rio de Janeiro e o conjunto dos Oito Batutas, que incluía entre seus componentes dois jovens conhecidos como Donga e Pixinguinha.
Comparando-se às facilidades de hoje, editar um disco no Brasil de 1902 era um ato de heroísmo. O sistema de gravação era mecânico, ou seja, o intérprete tinha que cantar ou tocar próximo a uma corneta. O técnico de som da época era um indivíduo que ficava ao lado do intérprete, segurando-o pelo ombro, com a finalidade de afastá-lo no momento de um agudo potente ou aproximá-lo da corneta nos trechos mais suaves da música. Gravada a cera, a mesma era enviada à fábrica na Alemanha para se transformar em disco. Finalmente, ao cabo de cerca de seis meses, o disco estava nas prateleiras. O mais prático, porém, era gravar cilindros que, enfim, não precisavam cruzar o mar. Contudo, como vimos anteriormente, cada cilindro era gravado individualmente, forçando o cantor a cantar trinta vezes se tivesse que gravar trinta cilindros. Com o tempo, uma corneta de gravação que alimentava vários cilindros minimizou o problema, mas o intérprete ainda era obrigado a gravar a mesma coisa um extenuante número de vezes. Se se tratasse de gravação de bandas ou conjuntos musicais, todos os integrantes tinham que tocar amontoados diante da corneta. A isso some-se o clima quente do Rio de Janeiro, com todos ocupando a mesma sala fechada.

O tempo passou e os engenheiros da Western Electric nos E.U.A. desenvolveram a gravação elétrica (utilizando microfones e amplificadores), cujo nome comercial foi Ortophonic Recording, lançada em 1925. Estava sepultada a gravação mecânica. Entre nós, quem inaugurou o sistema elétrico de gravação foi Francisco Alves, em 1927.

Em 1948, Peter Goldmark lançou o LP. O ruído diminuiu e a fidelidade foi aumentando com o aperfeiçoamento técnico até surgir, na década de 80, o Compact Disc que, com todo o avanço que significou, ainda é um suporte de gravação que depende do movimento para reproduzir. Hoje estamos diante dos mais fantásticos recursos disponíveis através da Internet, onde se pode obter gravações através do processo de download de arquivos sonoros. Em seqüência, vieram do cilindro de Edison ao disco de Berliner, do disco de Berliner ao LP de Goldmark, do LP de Goldmark ao CD, do CD ao HD (Hard Disk) dos computadores. Tudo indica que a memória eletrônica substituirá os suportes que dependam de movimento, com as vantagens óbvias da ausência do desgaste, que acaba por corromper o sinal gravado.

Olhando para trás, vemos que é ilusão imaginar que o maior avanço de hoje é uma resposta definitiva aos entraves técnicos do passado. Há setenta anos, o fabricante dos discos do selo Columbia anunciava seus pesados 78 rotações com o ‘slogan’: “like life itself” (iguais à própria vida), como sendo a descoberta definitiva em termos de fidelidade. Em bem menos tempo veremos o CD como mais uma anacrônica peça de museu.

COMO O HOMEM REGISTROU O SOM
Marcelo Almeida
31/10/02 A ARTE NOS SELOS DE DISCOS

Quase tão antiga quanto à busca da qualidade do som é a preocupação que sempre a indústria do disco teve em proporcionar etiquetas atraentes para os consumidores. Edison já buscava uma identidade para seus produtos e o selo de seus discos levava a sua própria efígie, acompanhada da inconfundível assinatura.
Desde o princípio a preocupação foi traduzir a síntese das virtudes do produto numa simples imagem, a expressão da durabilidade, fidelidade, etc. No início de suas pesquisas, por exemplo, Berliner teria chegado a um disco metálico de som estridente como produto final. Sua busca por material mais apropriado resultou na obtenção de um disco que atingiu uma reprodução mais silenciosa e suave. A descoberta a criação de um selo no qual se vê a figura de um anjo gravando uma cera com um pena. Nascia o selo “Angel” existente até os dias de hoje.
Um sem-número de belos selos povoou o universo fonográfico das primeiras décadas do século XX, mas há um registro que se deve fazer. Em 1904 na Itália, mais precisamente em Milão, surgia uma gravadora que utilizaria aquele que, na opinião da maioria dos colecionadores e pesquisadores, é um dos mais belos selos já produzidos. Falamos da “Società Italiana di Fonotipia”, que tinha como marca um anjo que com uma mão tocava uma lira e com a outra manipulava uma prensa de discos. Os discos do desenho caíam em cascata para o centro do selo, significando que o disco propriamente dito era um dos prensados pelo “anjo”. Uma obra de arte. Os discos “Fonotipia” chegaram a ser produzidos no Brasil pela Fábrica Odeon, conservando a mesma célebre imagem.
Em 1900, como vimos anteriormente, Barraud vendeu a sua idéia a Berliner, que imortalizou o quadro “a voz do dono” (his master’s voice), no qual o terrier “Nipper” ouvia um gramofone. Selos como os dos discos ingleses Aeolian e Vocalion também eram dignos de nota. Seus arabescos dourados eram de um grande impacto visual. Com a vinda da gravação elétrica, a Victor veio a empregar um estilo semelhante em seus discos.

Na década de vinte, a alemã Vox lançava um selo modernista, bem ao estilo da vanguarda germânica de então. Com o passar dos anos, alguns selos passaram a trazer a foto dos intérpretes, como foi o caso de algumas edições dos discos Decca franceses e dos Todamérica brasileiros, hoje vistos como algo de gosto bastante duvidoso.

Nos anos 40 e 50 popularizou-se o “Picture Record”, um disco com imagem temática (alusiva à música) estampada não no selo, mas em todo o disco.
Dos anos 60 em diante, poucas notas. Os selos foram se tornando cada vez mais insípidos, graças à crescente preocupação com a arte das capas. Assim o selo foi sendo relegado a um segundo plano. A própria RCA Victor abandonou o cachorrinho “Nipper” em muitas de suas edições. De interessante mas nem tanto, talvez o selo Apple da maçã cortada.
Hoje, com o advento do CD, que dispensa o uso do selo mas possibilita a estampagem sobre a superfície gravada, uma arte que andava meio esquecida vem aos poucos voltando. Como não poderia deixar de ser, muitas das velhas imagens do início do século XX vêm sendo reutilizadas. Há que se notar, inclusive, que “Nipper” está mais presente hoje que há vinte ou trinta anos.

(*) Marcelo de Almeida é advogado, pesquisador e restaurador de discos.
marceloalmeida@jornalmovimento.com
Material transcrito de:
http://www.jornalmovimento.com.br/arquivo.htm

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