Cap06 – O Forró e suas Danças – Livro – O que é o Forró? (2022)

Forró é música e também é dança, uma depende da outra para atingir seus objetivos estéticos e sensoriais. É uma “dança social”, na qual a unidade básica da dança é um par independente. Um chama o outro para o calor da festa. Dança-se a dois, frente a frente. Assim como as sonoridades, os movimentos e improvisos do Forró são ricos em variações, em função das localidades, dos espaços e influências recebidas.

O passo básico de dança para a maioria dos ritmos do Forró é conhecido como “dois, dois”. Ou seja: “dois pra cá e dois pra lá”. Dois passos pra um lado e dois pro outro. Dois pra frente e dois pra trás. Direita, direita, esquerda, esquerda.

A partir daí, entram os giros, pausas, improvisos e floreios, sempre mantendo a métrica temporal do “dois-dois”.

Após séculos de desenvolvimento, podemos notar hoje elementos remanescentes das influências africanas, europeias e indígenas no Forró. Na sua dança e na sua música, com particularidades em cada região brasileira.

Essa mistura de influências, ocorreu nas três Américas, a partir de meados do século 16, durante o período da colonização. Variavam as localidades, as etnias dos africanos, as tribos locais e os países de origem dos colonizadores. Uma fórmula comum que se desenvolveu de formas distintas em cada colônia.

No Brasil, essa fusão aconteceu de forma única no mundo, a dança ternária europeia foi derretida carinhosamente na divisão binária e se encaixou no balanço e na síncope da imparidade rítmica dos “Batuques dos pretos”.

A dança se desenvolveu junto com a música, nunca se separaram. A partir de movimentos de danças ritualísticas, remanescentes de uma bagagem cultural milenar, o tempo mesclou movimentos de diferentes origens, absorvendo conceitos e fundindo compassos rítmicos.

O arrastar dos pés no chão remonta às danças indígenas, como o Toré. Já o formato de dança social, em pares enlaçados independentes, é uma clara influência da Valsa europeia. E a sensualidade dos movimentos, meneios de corpo e o requebrado dos quadris são heranças de diferentes danças africanas.

Durante o período da União Ibérica (1580 a 1640), o Brasil participou de um grande intercâmbio cultural recebendo danças de diferentes origens, desde as espanholas, portuguesas, francesas, inglesas e alemãs, entre outras.

Na época, esses sotaques, danças europeias, indígenas e africanas, faziam parte das apresentações entre as poesias, danças e músicas nos saraus da alta classe.

No final do século 16, os engenhos cresceram muito e, embora a maior parte da população fosse rural, cresciam as vilas em volta dos fortes militares e das escolas jesuíticas.

Os indígenas eram catequizados, aprendiam a falar português, ler partituras e tocar instrumentos como Flautas, Trombetas, Charamelas, Baixões, Violas, Cravos e Órgãos. Depois se tornavam escravos e passavam a fazer parte das bandas de fazendas ou de senhores muito ricos.

Dessa forma, a música circulava nesses ambientes distintos:

As grandes fazendas possuíam bandas e dançarinos, compostas por escravizados, indígenas e negros. Eles recitavam poesias, tocavam, cantavam e dançavam para os donos da casa ou para uma plateia restrita.

Nesses saraus, as apresentações eram feitas num formato europeu, mas absorvendo alguns ritmos tropicais, dividindo a cena com danças e peças musicais tipicamente europeias. Uma sequência de peças integradas, um conjunto de diferentes danças e tipos de música, com ordem programada, partiturada e com os intervalos (interlúdios) e todas as coreografias ensaiadas.

O Paturi, dança de origem indígena, com movimentos coreográficos do estalar de dedos com as mãos para o alto, acima da cabeça, pode ter influenciado os primórdios do desenvolvimento do Fandango Espanhol.

Nesta época temos também registros do Cãozinho, dança da qual existe o primeiro registro do movimento coreográfico da umbigada. Danças das classes baixas, assim como o Gandum, que também já se encaixavam dentro do contexto de espetáculo para os brancos da classe alta.
A gênese de alguns diferentes elementos africanos formou o Landum, Lundum ou Lundu, que é um ancestral direto das danças do Forró.

A partir do final do século 17, o Lundu permeia a barreira das classes e se desenvolve rapidamente, acompanhando o desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Era uma época de crescimento das cidades. Uma grande mistura de pessoas, vindas de diferentes lugares do mundo, línguas, costumes, etnias e influências diferentes, fatores que possibilitaram que a dança se tornasse uma forma de comunicação entre todos, uma identidade comum.

Nas festividades diurnas, nas quais a grande maioria das pessoas era branca, como as festas da igreja, dançava-se o Lundu publicamente de forma coreográfica e respeitosa. Já nas festas menores e encontros noturnos, onde todos se misturavam, negros e brancos, casados e solteiros, pobres e ricos, a dança era mais sensual.

No contexto negro e mestiço, as danças ocorriam semanalmente nos Batuques, Sambas ou Calundus, onde diferentes etnias misturavam os movimentos de suas culturas corporais ancestrais a partir da sua memória cinética e musical. Dançavam religiosamente e socialmente, numa espécie de ‘válvula de escape’ para suportar a dura realidade da época.

Durante o século 17, as formações, alguns movimentos e fragmentos oriundos de danças religiosas e ritualísticas de diferentes culturas africanas, de diferentes tribos, de locais distantes e isolados entre si foram misturados durante os Batuques.

Essa dança, com o tempo, absorveu elementos europeus e herdou, através destes, movimentações e dinâmicas de origem árabe, e elementos indígenas brasileiros. Permearam a barreira das classes com uma dança sensual, de improviso, divertida e cativante.
No início do século 18, o Brasil exportou pela primeira vez uma dança para a Europa, era a Fofa (da Bahia), uma dança a dois, par solto, com passos e rebolados africanos, virou moda em Lisboa.

A segunda dança exportada chegaria em Portugal aproximadamente meio século depois e se tornaria a identidade nacional, o Lundu.
O Lundu acrescentava cantorias à Fofa e o elemento coreográfico da umbigada, o que chamou muita atenção. Foi uma grande febre dentre a classe média lisboeta, fazendo com que fosse exibido e praticado em grandes festas populares, teatros, casas honestas, palácios e festas da igreja. Era dançado em pares soltos, não enlaçados.

A dança do Lundu entre os negros tinha origem na sensualidade das umbigadas do Semba angolano e nos movimentos da Fofa e do Miudinho, de origem congolesa.
Já a dança do Lundu dos brancos recebeu influência direta do Fandango de Castela, com o estalar de dedos acima da cabeça e a atitude galanteadora, flertiva e sedutora na interação do casal, uma dança de corte, onde um gira em volta do outro. Misturava movimentos do Miudinho e as umbigadas. Em ambientes mais refinados, a umbigada era substituída pela troca de lenços ou palmas, para não chocar a sociedade.

Atualmente, uma manifestação que ainda preserva a célula rítmica, elementos da dança e muitas das características do Lundu dos brancos é o ramo tradicional do Carimbó, ritmo e dança amazônicos do estado do Pará. Embora a maior parte dos seus elementos sejam africanos, seus adeptos se apegaram à identidade e às influências indígenas, como forma de driblarem a resistência das autoridades em aceitar as “reuniões de pretos”.

Instrumentos Carimbó:

No início do século 19, o Lundu dos negros já era dançado em pares, frente a frente, mas ainda sem o conceito de “líder” e “seguidor”. Com a chegada da Valsa aos bailes imperiais, a corte portuguesa trouxe mestres de dança, da Europa, para ensinar os brasileiros da alta classe. Esses professores compartilharam o “novo” formato de dança (par enlaçado) o qual foi rapidamente absorvido pelas festas populares, padronizando a forma de se dançar os ritmos do Forró.

O formato de par enlaçado é hoje comum às danças de salão. Um enlaça o outro com o braço direito e com o braço esquerdo mantém as mãos dadas com o parceiro. O conceito de condução “líder” e “seguidor”, no qual um propõe movimentações para o outro, que aceita, responde especificamente para cada condução e mantém uma comunicação durante toda a dança.

Dentre os brancos, durante o século 19, as ‘Sociedades de Dança’ promoviam grandes bailes. A dança era um diferencial social, fazia parte dos costumes da aristocracia e era ensinada nos colégios, sendo uma das disciplinas da grade curricular do ensino formal. Eram ensinadas as danças europeias como os Minuetos, Contra-danças, Valsas e Polcas.

Os mestres, eram polivalentes, atuavam em “Danças Cênicas” e eram professores de “Danças de Bailes”. Normalmente ministravam diversas disciplinas, não apenas dança. No início do século 19, as aulas de dança aconteciam junto com as aulas de “Música”. No final do século, passaram a fazer parte da “Educação Física” e foram extintas no século seguinte.

Desde então, o hábito da dança, dentro do Forró, foi passado organicamente de geração em geração. De forma que, até hoje, a maior parte das pessoas aprendeu a dançar naturalmente, frequentando os bailes de Forró, festas e confraternizações em geral.

Essa transmissão natural do conhecimento e tradição, agregadas à facilidade em se aprender os passos básicos e à versatilidade de espaços e quantidade de participantes, são fatores inclusivos e fizeram com que os bailes de Forró se perpetuassem.
Só no final do século 20 as escolas de dança de salão passaram a ensinar Forró. Nessa época, ocorreu uma grande renovação. As danças do Forró receberam influências do Samba-rock, da Gafieira e do Tango, com a absorção técnica e harmonização de muitos elementos e movimentações das danças contemporâneas.

No início século 21, surgem escolas de dança especializadas em Forró, renovando os estudos sobre a dança e desenvolvendo metodologias próprias a partir da miscigenação e aprimoramento de diversas técnicas de dança.

A dança do Forró vem sendo bastante aperfeiçoada nos últimos anos. Hoje tem um nível técnico e criativo muito elevado, absorveu características técnicas e estéticas de todas as danças de salão e tornou-se uma das danças mais versáteis e plasticamente bonitas de se ver.

Parte do livro: O que é o Forró? Um pequeno apanhado da história do Forró./ Ivan Dias e Sandrinho Dupan. 2022 ISBN978-65-997133-0-9
Projeto contemplado pela 2a Edição do Fomento ao Forró, da “Secretaria Municipal de Cultura” da cidade de São Paulo.

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